6/7 – 27/8 2021
Alice Gelli, Amália Giacomini, Elizabeth Jobim, Marina Caverzan, Marina Rodrigues, Renata Tassinari.
Curator | Christiane Laclau
Galeria Lurixs | Rio de Janeiro | Brasil
No pórtico de entrada da Academia de Atenas, lia-se: “Não entre quem não for geômetra”. Platão consolidou o entrelaçamento entre o pensamento filosófico e a racionalidade matemática expressa pela geometria, conhecimento levado do Egito à Grécia por Pitágoras e por Tales de Mileto. Para Heródoto, a geometria tem uma função prática, já no entender de Aristóteles, ela é puramente teórica. O platônico Euclides, “pai da geometria”, considerava o espaço como imutável, simétrico e geométrico. Este pensamento se manteve inalterado durante a Idade Média e o Renascimento. Somente na modernidade os modelos geométricos não-euclidianos foram propostos por Carl Friedrich Gauss e Bernhard Riemann. A perspectiva masculina predominou por séculos na racionalidade geométrica ocidental.
A coletiva Geométricas: perspectivas femininas confronta essa tradição. O diálogo entre diferentes conceitos, pesquisas, propostas e abordagens das artistas reunidas em órbita do tema proposto pela curadoria apresenta diversas provocações estéticas, éticas e filosóficas.
Em sua produção, Alice Gelli altera a percepção habitual dos planos. O trabalho se alonga pelos ângulos das quinas e assim seduz o olhar. Suas dobras nas superfícies planas expandem o pensamento e a percepção dimensional, criando um espaço além do espaço. A exploração de diferentes configurações do chassi tradicional alcançou uma amálgama de função e forma. A desconstrução, como interesse conceitual e de resultado plástico, é a principal característica de suas obras presentes na mostra.
O uso da estrutura como assunto da obra estabelece um paralelo com os trabalhos de Renata Tassinari que interagem com o espaço arquitetônico. O acrílico e a madeira combinam suas diferentes texturas à aparente simplicidade cromática e desenham, através de elementos angulares, uma sugestão de incompletude a ser preenchida pelo observador, que percorre as trilhas pictóricas com o olhar. Fragmentos de uma realidade imaginada pela artista, que se reconstrói na extradimensão de espaço-tempo do pensamento daquele que frui a obra.
O trabalho de Amália Giacomini refrata uma chave de definição. A geometria e a artesania, componentes do seu universo mental, estão a serviço da obra. Da dicotomia entre a imprecisão do fazer artesanal e a organização racional prévia, emergem as sobreposições de recortes de telas anti-chamas e de correntes de armarinho que pendem no ar. Assim, as peças criam ilusões de massa e de profundidade conforme a incisão luminosa e a postura do observador. As curvas catenárias, formadas pela ancoragem de linhas sujeitas apenas à força da gravidade, configuram-se de acordo com o espaço expositivo.
Essa ressignificação artística de materiais mundanos conflui com a produção de Marina Rodrigues. A artista transcende o uso rotineiro de chapas de ferro, que ela adquire como sucata. Recortes de aço, acrílico e fita adesiva, em obras que emulam diagramas eletrônicos fictícios e mapas de um urbanismo fantástico, abstraem a função original do material com rigor e equilíbrio plástico. Com exceção de seus trabalhos escultóricos, as sugestões de plantas baixas, assim como a de multiversos e a de sólidos arquitetônicos, desmontam a impressão de superfície plana e propõem formas com presença tridimensional.
Por sua vez, Elizabeth Jobim se vale do linho colorido como material pictórico. Das sensações provocadas pela necessidade de recolhimento e de precaução, surge a evolução de sua experimentação com tecidos. As camadas de cores e de materiais se abraçam e envolvem a estrutura do trabalho quase que afetuosamente. A costura, nas junções, os cortes no pano e a natureza irregular e elástica do material – suas tramas e texturas –, compõe telas que se sobrepõem, formando módulos que convidam a uma experiência tátil, para além do olhar. Esses trabalhos se relacionam intimamente com suas já bem conhecidas pinturas a óleo, também presentes na exposição.
A expressão pictórica igualmente constitui as obras de Marina Carvezan. O simbolismo, expresso na recorrência da utilização de linhas e de formas geométricas simples, trafega no limite entre o abstrato e o etéreo. As questões ligadas a sua investigação estão implícitas no conceito de épura, da geometria descritiva: a transposição de sólidos para a dimensão plana. As linhas em seus quadros derivam da composição do diamante bruto e dos cortes feitos nele para transformação do mineral em brilhante. Seus Diamantes são decomposições – de cor, claridade, corte e quilate – em imagens que projetam a potência latente presente no mineral original. Já em sua série de pinturas esotéricas, a artista utiliza cores alquímicas – nigredo, albedo e rubedo – para a representação do oculto: uma dimensão invisível aos olhos.
Esta exposição celebra as visões do abstracionismo geométrico que essas mulheres vêm desenvolvendo em suas trajetórias artísticas. Esse campo – historicamente dominado por homens – está defronte, no século XXI, da luta pela equidade de gênero, que vem alcançando, cada vez mais, mudanças na sociedade e na arte.